quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Artigo sobre REUNI

Aonde nos leva o REUNI?

“Se educação é direito, é preciso tomá-la no sentido profundo da sua origem (...) como o direito de todos de terem não só acesso ao conhecimento mas também à criação do conhecimento. Isso é decisivo para que outros direitos sejam criados e para que a sociedade se torne democrática. A educação formadora se realiza como trabalho do pensamento, para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito. Essa formação é civilizatória contra a violência social, econômica, política e cultural, porque age como criadora de novos direitos quando compreende que o pensamento é um trabalho e que o trabalho é a negação da realidade dada”. Marilena Chauí

A universidade pública brasileira, quase sempre lembrada em tempos de vestibulares como sinônimo de escola para as elites, vem percorrendo os veículos da grande imprensa, sobretudo a partir do decreto presidencial nº 6.096/07 de abril de 2007, o qual institui o REUNI. Os artigos jornalísticos referem-se, efusivamente, às melhorias que tal decreto propiciará à educação superior, sobretudo aos segmentos mais pauperizados da população. Mas, o que vem a ser o REUNI?
1) Tal decreto assenta-se em dois pilares básicos: a exigência de 90% de aprovação e o aumento do número de alunos por professor da ordem de 1 para 18. Estas metas deveriam não apenas orientar um conjunto de adaptações que cada unidade de ensino passaria a implementar, como também constituem parâmetros efetivos para a liberação de recursos. O argumento utilizado pelo MEC e, insistentemente repetido pelos gestores locais, refere-se à justa e necessária expansão do número de vagas nas universidades públicas, possibilitando o acesso de segmentos mais amplos da sociedade à educação superior gratuita. Aliás, esta tem sido uma bandeira histórica do movimento docente, cuja trajetória tem sido marcada por uma luta intermitente (da qual muitos já se cansaram) contra a privatização do ensino – expressa em nosso cotidiano em crescentes níveis de precarização das condições e das relações de trabalho – e por uma universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.
No entanto, a despeito da justeza do argumento, o que se propõe, de fato, é um “inchaço” das universidades e sua conversão em grandes “escolões”, bem ao estilo da maioria das unidades de ensino privadas, cuja ênfase encontra-se nas atividades de transmissão de conhecimentos, o chamado “aulismo”, com repercussões significativas, sobretudo para os cursos que dependem principalmente de professor, quadro e pincel para funcionarem, bem ao sabor das sucessivas políticas de contenção de gastos de que vimos sendo testemunhas ao longo de sucessivos anos. Resta esclarecer que a razão de 1 professor para treze alunos (média nacional atual) não significa ser este o número de alunos em sala de aula (visto que cada aluno tem várias disciplinas simultaneamente), além do que não estão contabilizadas as atividades de pesquisa, orientação e participação em bancas, atividades administrativas, supervisão das atividades de extensão, dentre outras. Neste sentido, quanto maior a proporção de alunos por professor, maior será a precariedade do ensino e a conseqüente redução da qualidade do mesmo.
A exigência de 90% de aprovação, considerada até mesmo por porta-vozes da reitoria da UFPE como uma meta “inatingível”, torna-se mais contraditória à medida que aumenta a proporção entre professores e alunos, posto que torna cada vez mais escassas as possibilidades de um atendimento mais individualizado e qualificado por parte do professor. O ANDES estima que a ampliação do ingresso, aliada ao aumento da taxa média de conclusão dos cursos de graduação poderá acarretar um aumento de 200% no número de matrículas – sem o correspondente aumento dos recursos – instituindo a aprovação automática nas universidades federais, cujo objetivo último é a melhoria dos índices a serem fornecidos às agências internacionais, a exemplo do que vem ocorrendo com o ensino fundamental e básico, de conseqüências largamente discutida pelos especialistas em educação no Brasil.
2) Como forma de atenuar possíveis tensões resultantes da “expansão” das universidades federais o MEC institui um banco de “professor-equivalente”, o qual possibilitará a substituição gradativa dos professores em regime de dedicação exclusiva por outros em regime de 20 horas ou 40 horas ou mesmo substitutos com 20 horas. Aqui encontra-se um verdadeiro atentado ao princípio da indissolubilidade entre ensino, pesquisa e extensão e o governo mostra suas reais intenções, visto que se tornaria cada vez menor o número de professores dedicados à pesquisa e à extensão: ganhando cerca de um terço do salário de um professor com dedicação exclusiva, ao professor equivalente com 20 horas caberia “tão somente” as atividades relacionadas ao ensino, reforçando a prática do “aulismo”, à qual já havíamos nos reportado, anteriormente. Se considerarmos que, atualmente, cerca de 30% dos cargos docentes nas universidades federais são ocupados por professores substitutos – o que já revela um acentuadíssimo grau de precariedade – aonde nos levará a implantação do banco de equivalentes?

3) Um dos argumentos mais tentadores, utilizados pelo governo para convencer à comunidade acadêmica e à sociedade, refere-se ao aumento de verbas para as universidades que aderirem ao REUNI. De fato, o governo promete um aumento de 20% nos seus orçamentos. No entanto, no mesmo decreto fica, então explicíto que a liberação dos recursos estará condicionada ao cumprimento das metas por um lado, e, por outro, à dotação orçamentária do Ministério, ou seja, para nada estão garantidos os recursos, ainda que as tais metas sejam cumpridas. Em tempos de sucessivos contingenciamentos, não é difícil supor o desfecho desta questão.
Sem dúvida, o REUNI aprofunda, dramaticamente, e consolida o fosso já existente entre as universidades “de ponta”, consolidadas, com cursos de pós-graduação bem conceituados (a maioria situadas no sul e sudeste) e as demais (cerca de 80%) que se converterão em grandes escolões, posto que o aumento do número de estudantes exigido só poderá ser alcançado, prescindindo-se da pesquisa. O tripé ensino/pesquisa e extensão, ainda que hoje se mantenha sob bases frágeis, constitui um fator decisivo para as avaliações das unidades de ensino superior no Brasil e representa um referencial importante para aqueles que lutam por uma universidade pública, gratuita, laica e de qualidade. O REUNI dá um passo decisivo para o desmantelamento do sistema e para as investidas do capital internacional que tem sinalizado, inclusive através da imprensa, a sua intenção em “contribuir” com o aprimoramento das universidades públicas brasileiras. Este caminho já é de todos nós conhecido. A Ditadura militar seguiu essa mesma trilha, ao sucatear o ensino fundamental e o médio, abrindo larga avenida para o ingresso do ensino privado, tido como sinônimo de qualidade e excelência, enquanto à grande maioria da população foram destinadas as escolas públicas, deficientes e incapazes de cumprir a sua função social: preparar sujeitos críticos, aptos a recriarem permanentemente a vida em sociedade e a contribuírem para o aprimoramento do gênero humano. O governo Lula, culpabiliza a universidade pública pelas crônicas deficiências do ensino público fundamental e médio, acusando-a de elitista. Para sanar as distorções com as quais o ensino universitário se depara, o caminho escolhido foi a cisão do ensino superior público, aprofundando o fosso entre o lugar dos ricos, os centros de excelência e o dos pobres: os grandes centros de formação aligeirada.
A lógica neoliberal no trato com os investimentos sociais não deixa dúvidas.Em tempos de contra-reforma do Estado e de privatização dos serviços sociais, o gasto por estudante na educação superior encolheu entre 1995 e 2002 para 88% do
valor anterior, em contraste marcante com outros países. Estes dados desmentem frontalmente as campanhas que têm afirmado que o Brasil
investe muito na sua educação superior. Ao contrário, no Brasil, o investimento em educação apenas 4% do PIB, sendo, aproximadamente 20%
destinados à educação superior. Na verdade, o país investe muito
pouco em educação, e em particular na educação superior.
Os veículos de comunicação, inclusive os da própria UFPE, têm feito questão de ressaltar o caráter progressista e democrático do REUNI. Cá me pergunto: como falar de democracia quando o governo federal institui uma reforma universitária com conseqüências de peso para o ensino superior no Brasil nas próximas décadas através de decreto? Onde está a democracia quando as discussões sobre o decreto no âmbito da estrutura universitária (Centros e Departamentos) tiveram o caráter de aprovação de projetos locais a serem implementados com recursos do REUNI, sem que se considerasse a natureza e o significado deste decreto para a Universidade? ´Por que a pressa em aprovar em primeira chamada a adesão da UFPE, a despeito do indiscutível desconhecimento, por parte da comunidade universitária, sobre o REUNI e seus desdobramentos para a universidade pública? Penso que se faz urgente uma agenda de discussões e a exigência de posicionamento do conjunto da comunidade acadêmica, através de uma ampla consulta que oriente as decisões sobre os nossos rumos futuros.
Por fim, os jargões de “truculência”, “intransigência”, “corporativismos” que tão fartamente têm sido atribuídos àqueles que se opõem ao REUNI portam o odor execrável dos tempos da ditadura e a profunda dificuldade das classes dominantes brasileiras e de seus intelectuais de conviverem com a diversidade de pensamento, com o confronto político, reafirmando, assim, a tradição positivista na formação brasileira, a qual confere à nossa intelectualidade um traço da efemeridade e de impaciência no trato com as questões teórica e políticas. Como bem nos lembra Leandro Konder, é consolidação de um Estado coercitivo, refratário às divergências, que acabou por sedimentar uma cultura de intolerância e de restrição ao exercício intelectual, fazendo predominar o pragmatismo e a “lógica da destrutividade da polêmica”, contaminando, inclusive a própria esquerda.


Maria das Graças e Silva
Assistente Social e Professora da UFPE

2 comentários:

Lenilson Santana disse...

Notícias Quarta-Feira, 07 de novembro de 2007
JC e-mail 3385, de 07 de Novembro de 2007.

Secretários Regionais da SBPC no Sul e Sudeste manifestam-se contra o Reuni

Na visão de seis secretários regionais, o programa não contribui para a
qualidade da Universidade Pública Brasileira

Leia o manifesto, divulgado nesta terça-feira:

Os Secretários Regionais da SBPC das regiões Sul e Sudeste, Maria Alice Lahorgue e Maíra Baumgarten (RS), Marcos Cesar Danhoni (PR), Maria Suely Soares (seccional Curitiba), Suzana Salem Vasconcelos e João Ernesto Carvalho (SP), reunidos em Porto Alegre nos dias 29 e 30 de outubro de 2007, discutiram as linhas gerais do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação das Instituições Federais de Ensino Superior e manifestam seu estranhamento e preocupação diante da constatação de que tal programa representa a prática de políticas contidas na proposta de Reforma do Ensino Superior do Governo Federal, as quais ferem frontalmente a concepção e a autonomia da Universidade Brasileira e apresentam sérias implicações futuras em relação à qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão nestas instituições.

Em relação aos pontos mais relevantes, os secretários consideraram:

- Ao condicionar a expansão e reestruturação ao cumprimento de metas, que são de competência acadêmica das Ifes, como a disposição de cursos e programas de ensino e a organização curricular, ele fere o Artigo 207 da Constituição Federal, que garante a Autonomia Universitária.

- As duas metas às quais todos os Projetos do Reuni estão submetidos, ou seja, 90% de taxa de aprovação e a relação de 18 alunos por professor, são incompatíveis com a qualidade de ensino.

- A elevação da relação aluno/professor, num contexto de ampliação do acesso ao ensino superior público é uma medida que vai concorrer na direção oposta da melhoria da taxa de conclusão (diplomação).

- A inclusão de egressos do ensino médio, com maior carência de formação geral sólida, requer uma maior atenção didática/pedagó gica e, portanto, um atendimento diferenciado, que deve resultar em um número menor de alunos por professor.

- O financiamento para o Reuni é muito tímido para os objetivos gerais esperados, com um custo médio para as novas vagas 50% menor em relação às vagas atuais, o que, ao final dos cinco anos de programa, vai resultar numa forte diminuição do investimento por aluno no ensino superior, que deve refletir negativamente na qualidade de ensino.

- Tudo isto, aliado à restrição da ampliação dos gastos com pessoal no serviço público federal, imposta pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), deve causar um aprofundamento da precarização do trabalho docente nas Ifes.

Desta forma, os secretários de finiram uma posição contrária ao Reuni, por entender que este Programa não contribui para a qualidade da Universidade Pública Brasileira.

Anônimo disse...

Gente, não dá para entender essa decisão da gestão da UFPE.
Por que essa pressa em aprovar um projeto cheio de pontos tão polêmicos? Por que não discutí-los.
Flexibilizar o ensino para aprovar 90% do alunado só nos leva a deduzir que o que se pretende é mesmo desqualificar a universidade transformando-a em "escolão".
Os que "podem" irão evadir-se e procurar centros de excelência, fortalecendo assim as universidades privadas.
Vocês estão com toda a razão. É preciso usar os meios de comunicação alternativos para que a sociedade se dê conta disso.